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SUBTERRÂNEO . 2016

De – Fiódor Dostoiévski 

EncenaçãoLuís Araújo 

Dramaturgia – Luís Araújo e Nuno Cardoso 

Cenografia – Tiago Pinhal Costa 

Desenho de luz – Rui Monteiro 

SonoplastiaPedro Augusto 

Figurinos  – Sara Pazos

MultimédiaLuís Araújo e Sara Pazos 

FotografiaSara Pazos 

InterpretaçãoNuno Cardoso 

CoproduçãoAo Cabo Teatro, Centro Cultural Vila Flor, Centro de Arte de Ovar, Theatro Circo , M/12 anos 

Não tentes dessacralizar o medo desmistificar a arrogância limita‐te a viver os teus lentos dias sem fazeres da tua própria vida um espectáculo ruidoso ou molesto para os outros ninguém te há‐de pagar na mesma moeda mas isso nada te deve importar ou quase nada quando a vida ganha entidade suficiente pode deitar‐se tudo o resto pela borda fora.

Camilo José Cela, Ofício de Trevas 5 (1973) 

O Homem do Subterrâneo não é um homem “representativo”, que consinta e adopte o determinismo. Também não é uma anomalia, uma excepção. Numa sociedade estrita, científica, orientada para a produtividade, um homem assim existe para criar um contraponto, para apresentar respostas diferentes para as mesmas perguntas. 

Na sociedade mecânica do séc. XIX, este anti‐humanista estaria metaforicamente, e talvez realmente, num subterrâneo inabitável, um lugar escuro e sem janelas, sem público que o ouvisse. Ao ler este livro hoje, apeteceu‐me oferecer‐lhe as oportunidades do séc. XXI: oferecer‐ ‐lhe o espaço e os mecanismos usados pelos profetas do life coaching,
do empreendedorismo e do motivational speaking, pelos que fingem ou acreditam ter respostas, a salvação, os gurus do humanismo de pacotilha, os homens “carismáticos” que enchem auditórios e salões de hotel para fazer team building, para dizer a multidões dispostas a acreditar em tudo generalidades como “se podes sonhá‐lo podes fazê‐lo”, que enriquecem em sessões de autógrafos da 10.a edição do seu 10.o livro, os que inundam a Internet com apresentações de produtos, palestras e testemunhos que roçam a experiência religiosa. 

Mas um texto com esta espessura não cabe dentro de um powerpoint, não se presta à explicitação sem dar luta, e por isso, apesar da gestualidade agressiva de quem quer muito ser compreendido, todo ele é inércia. O orador vê‐se forçado a um dinamismo artificial que contraria o que é dito. E dessa luta entre o que é dito e o modelo em que é dito nasce uma fricção frustrante que torna todo esse esforço inglório. Que, no fundo no fundo, é tudo o que é dito. 

Ao escolher o subtítulo O fim dos fins é não fazer nada para este Subterrâneo, lembrei‐me de uma entrevista que li há anos em que perguntavam ao Leon Lederman qual era para ele a equação mais completa, a que melhor explicava o mundo. A sua resposta foi uma das mais simples: F = ma, força igual a massa vezes aceleração, ou seja, se
se empurrar um corpo, ele reage movendo‐se e quanto maior a força aplicada, maior a reacção. Falta perceber se este Homem do Subterrâneo se recusa a mover‐se ou se os outros se recusam a tocar‐lhe. 

Nietzsche matou Deus e Foucault matou o homem. O que é que nos resta? 

Para o Homem do Subterrâneo, seja o que for, não se pode dizer que seja um espetáculo muito interessante.

HENRIQUE IV . 2016